O redescobrimento do Brasil
[Em homenagem a mim mesma e ao dia das mães, mãe de Niara].
Nos últimos anos tenho viajado muito. E em cada lugar posso dizer que ganho uma experiência nova para registrar. Por estar num ritmo sempre muito acelerado, o que é muito comum nas grandes cidades, a gente as vezes não percebe quando está sendo observado e as coisas acontecem quando menos esperamos.
Ah, isso que escrevi é uma grande mentira. Eu já espero tudo o que menos imagino, principalmente quando se relaciona à questão indígena, afinal, minha cara de índia me denúncia a qualquer momento e em qualquer lugar. Talvez o corpo magrinho, o cabelão e a aparência de pouca idade também chamem a atenção.
E foi mais ou menos assim que aconteceu. No aeroporto, chego ao guichê para realizar o Check in. Como de hábito encontro sempre jovens, meninos e meninas todos bonitos e bem alinhados, com um sorriso elegante no rosto. Parecem não passar dos trinta anos. Resplandecem uma jovialidade inconfundível. A simpatia e a educação também são as marcas registradas das pessoas que estão nesse local. A atendente, uma moça que aparenta ser bem nova e com olhos azuis imensos e destacados pela maquiagem, executa a ação num ar de calmaria, cumprindo o protocolo de atendimento até olhar meu pescoço. Arregala o olho no colar feito com dentes de macaco.
Assustada, quase em pânico pergunta, do que era aquele colar. Respondo séria sem dar muita atenção, mexendo em alguns papéis: - 'macaco'. Confesso que não vi nada de anormal, pois uso esse colar há muito tempo. Recordo sempre que minha mãe conta que quando morava na aldeia dos indígenas Umutina, pediu que fizessem um colar para mim, com um pequeno dente de macaco. Era o meu colar de criança. Aquele foi um momento um tanto estranho. A atendente desesperadamente chama os outros colegas e diz: 'Dente de macaco, dente de macaco!' Pelo desespero, realmente eu não sabia se corria, ficava ali parada expondo o pescoço como uma vitrine de loja, satisfazendo o desejo do público de tocar um dente de macaco, afinal não se encontram macacos todos os dias, quem dirá o dente fora do macaco?
Me senti o zoológico ambulante, em exposição para jovens de uma grande cidade. Paciência. Apenas seguiriam sua rotina ao findar do meu chek in e quem sabe comentariam para um amigo, namorado, pai, mãe e irmãos que viram um “índio” ao vivo.
Voltei para o Chek in e não tardou veio a clássica pergunta: Você é índia? Sim, a clássica pergunta foi acompanhada de uma outra. 'Achei que esses eram seus dentes de leite'. Nesse momento fui lá no fundo das minhas memórias, relembrar as aulas de ciências, corpo humano e vagamente contar quantos dentes de leite perdi ao longo da infância. Não, não seria possível aqueles mais de 32 dentes do colar serem meus dentes de leite. Deixei a observação passar despercebida, afinal não era hora nem ânimo para explicações que poderiam até ofender a pessoa que perguntou.
Continuei ali, me sentindo o próprio macaco do zoológico. Mais perguntas vieram então; 'Por que você não usa mais bijuterias que índio usa? É tão bonito, feito de pau, pedra...' bom, agora fui buscar o 'Aurélio' para entender de que bijuterias eles falavam. Talvez não fosse também o momento de falar sobre a diferença entre artesanatos, artefatos e bijuterias.
Consegui por muito tempo manter o sorriso no rosto, como nunca é de costume. Mas continuei indagando ainda por que eu ficaria brava com aquele grupo de pessoas que embora demonstrassem surpresa, achavam graça, eram movidos pela ingenuidade e desinformação sobre o assunto.
O Checkin parecia nunca terminar!
Deveria ser por que eu podia iniciar uma aula de história e cultura indígena. Que mal faria, afinal eram todos jovens atendentes e comissários que estavam cheios de curiosidades. Respondia vagamente as questões que me fazia a jovenzinha do atendimento.
Ela queria saber de onde eu vinha, para onde ia, o que fazia e o que estava fazendo ali. Ao falar a palavra trabalho, novamente ela interrompeu o procedimento e me olhou com um olhão azul arregalado, dizendo: 'Índio Trabalha? Não sabia!' É essa para mim também foi uma grande novidade. E estava esperando ela me perguntar se índio estudava, dormia ou comia gente. Mas esse momento não chegou. Ela me entregou o bilhete de embarque e eu segui a caminho do portão. Deixei para trás um pequeno grupo de jovens acenando e sorrindo alegremente para mim. Novamente me vieram diversas lembranças e pensei nos colonizadores quando chegaram ao país. Talvez não tivessem sorrido tanto como fizeram os jovens no aeroporto. Realmente ali naquele momento, aqueles jovenzinhos estavam literalmente redescobrindo (ou descobrindo?) o Brasil.
Os índios gordos, o facebook e identidade
Naine Terena de Jesus
A celebre frase “Posso ser quem você é sem deixar de ser quem sou” parece que não tem convencido algumas pessoas, em especial, aqueles que comumente são chamados de letrados. O domínio das tecnologias não indígenas parece que não vem agradando a muitos, já que, desmonta o estereótipo do índio ‘mateiro’, que vive na natureza, com as ‘vergonhas’ de fora.
Para muitos o lugar de índio é na floresta e é inconcebível ver um indígena com um terno e gravata, o celular ou um tablet. Muitas pessoas pensam que todos os índios tem uma camionete. Existe a generalização da imagem indígena.
Observa-se esse embate no mundo virtual, onde índios e não índios revelam as facetas do mundo real, sempre expondo um pouco do que pensa o povo brasileiro. Polêmica, a identidade indígena vem sendo tema de discussões que iniciam sempre em comentários que apresentam em muitos casos os pré-conceitos que se formam a respeito dos indígenas viventes no Brasil do século XXI.
Fatos recentes exemplificam minha colocação. Em um artigo escrito por José Ribamar Bessa, a respeito de uma matéria veiculada pelo Jornal o Globo, o professor faz a crítica ao fato do jornal folclorizar o indígena. Postada nas mídias sociais, logo repercute. A quem pense que os indígenas se utilizam da máscara de ser índios para não trabalhar, não pagar impostos, cometer crimes ou mendingar nas ruas das pequenas cidades. Logo também, vem a resposta de índios e não índios. Algumas tentando explicar a situação dos Povos originários do país, suas formas de vidas e até as punições empregadas em casos como os crimes, apontados no texto postado. São mais de 27 comentários a respeito do assunto. “quem disse que indígenas não trabalha? eles não fazem muito desmatamento como os fazendeiros porque é da natureza que tiram o seu sustento, diferente de vocês que derrubam uma área imensa para "produzir" o que? poluição, secar nascentes de rios, jogar venenos na aguá, terra... é isso que você chama de produção?... isso pra mim se chama desrespeito com a natureza...”, argumenta o jovem indígena, que se apropriou do debate e da tecnologia para contestar a opinião.
Dias depois, encontramos um artigo acerca do índio civilizado. “Sexta-feira, quase dez horas da manhã. Ana Maria Braga recebe em seus estúdios globais impecáveis uma turma indígena gorda e ricamente paramentada, nas mãos violões de fabricação cara-pálida. Trazem como curiosidade uma pajé feminina que abençoa Ana Maria em pajelança ao vivo, mas com relógio no pulso para não perder a hora”. Novamente postado, rapidamente vem os comentários e reflexões: ... Gostaria de fazer uma observação que minha cara advogada provavelmente se precipitou ao comentar que a entrevista com Ana Maria da "Turma indígena gorda” que te pareceu “mais uma esquete sem propósito, onde ela foi a estrela alienada e dispare da real situação do índio no Brasil”. Sua convicção está fora da realidade, atrasada de informação, pois só aceitamos aparecer em rede nacional exatamente pra mostrar ao Brasil e ao mundo que nós povos indígenas ainda temos a sabedoria de viver na terra, e somos muito felizes apesar das dificuldades que vivemos, estamos muito ricos espiritualmente e materialmente. O relógio no pulso é pra dizer que gostamos da tecnologia criada pelo homem branco e iremos utilizar com sabedoria. Quanto ao violão do cara pálida, foi o que me inspirou na introdução da cura aos homens sem alma, sem coração e pobres de espírito’. Resposta dada por um dos integrantes do grupo indígena que apareceu no programa da TV Globo e que certamente tem o domínio das mídias sociais e tecnológicas, fazendo uso da sua necessidade de intervir em temas que acabam passando despercebidos na educação do povo Brasileiro. É necessário uma intervenção não somente com relação aos povos indígena, mas para todas as populações que estão povoando o imaginário dos brasileiros. É preciso educar para se conhecer o outro, compreender e assimilar o fato de que as culturas não são estáticas e que o Brasil comporta a diversidade cultural. O debate no espaço virtual é amplo e está lotado de indígenas. Diante da negação do índio com domínio das tecnologias visualizamos nisso tudo, uma situação interessante, já que ao dominar o ambiente virtual, os indígenas começam a expressar seus pensamentos, modos de vida, sua identidade, para quem quiser (e para quem não quiser) conhecer.
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Da máquina de roubar almas á maquina de registrar memórias
Naine Terena .
Eu já me transformei em imagem. Mesmo
que eu morra vocês irão me ver.(pajé do Povo HuniKui, no vídeo Já me
transformei em imagem).
Numa referência realizada ao trabalho do
fotografo Boggiane, em terras do povo kadiweu em 1934, Pavel Fricova
e Yvonna Frici,
escrevem sobre os retratos tirados pelo fotografo na aldeia,
comentando sobre as relações mutuas, as desconfianças dos kadiweus
para com a máquina fotográfica e o medo de perder ‘sua alma’
(1997). Pensando nesta observação, refletimos sobre uma das muitas
trajetórias percorridas pelos povos indígenas brasileiros, num
longo processo de manutenção da cultura. Se por muitas décadas
acreditava-se que os índios seriam extintos e perderiam totalmente a
sua cultura, vemos o processo de adaptação, assimilação e
apropriação de elementos da cultura não indígena com o intuito de
manter os costumes. Se a entrada das tecnologias (em especial a
televisão) oferecem alto risco por causa dos valores transmitidos
aos mais jovens, com o tempo os próprios indígenas conseguiram
vislumbrar a utilização desses meios para mostrarem-se ao mundo e
para si mesmo.
É o que diz o pajé Huni Kui no vídeo Já
me transformei em imagem, Isaac
Dias, liderança Terena, em Quem
chorará por nós, e tantos
outros anciãos que posicionam-se em frente a câmera para realizar
suas narrativas. Com características orais, os povos indígenas vêm
demonstrando cada vez mais afinidade com os equipamentos de áudio e
vídeo. Isaac visualizou a utilização do registro de parte de sua
memória na escola indígena de sua aldeia. Ele comenta durante as
gravações de sua ‘entrevista’ que falaria naquele momento por
que sabia que os realizadores deixariam uma cópia na escola: “Eu
comecei a escrever (as memórias) e não enxergo mais. Mas se a
senhora vai deixar uma cópia na escola, fica mais fácil”.Dois
fatores são importantes na utilização dos equipamentos (ao meu
ver) – o primeiro esta relacionado a preocupação com o registro
da memória, da manutenção da cultura, da transmissão cultural; o
segundo com a necessidade de se apresentar ao mundo dos não
indígenas, para que estes entendam, compreendam e respeitem o
sistema de vida indígena. Se na década de 30 os kadiwéu (e talvez
outros povos) temiam a captura da alma pelos equipamentos, hoje esse
temor se transformou a ponto de que cada povo manipule seu
equipamento e capture parte da alma que queiram que seja capturada. O
domínio dos equipamentos pelos próprios indígenas lhes dão
autonomia para que registrem apenas o que querem que seja registrado.
Que divulguem apenas o que pensam que deve ser importante ser
divulgado. É a autonomia tecnológica dos povos contemporâneos.
Walter Benjamin escreve que o filme
não deve ser considerado um mero instrumento de registro e
reprodução, ele é autoral e capaz de representar o mundo. Neste
caso, o mundo que os povos indígenas querem representar e apresentar
(faça então uma reflexão mais apurada, o que se vê sobre índios
nas tv´s brasileiras? Com que freqüência? como são apresentados?)
Podemos
lembrar ainda alguns trechos escritos por Arlindo Machado, sobre como
os diversos grupos indígenas estão aprendendo a dominar
criativamente as modernas tecnologias de enunciação para
utilizá-las em seu benefício – seja como registro de suas
memórias, seja como luta política. Escreve Machado:
[...]
vem sendo incorporado por algumas nações indígenas não apenas
como instrumento de registro passivo de suas tradições, mas também
de luta política. Para os povos sem tradição escrita como é o
caso dos índios, o vídeo se converteu rapidamente numa forma de
escritura que lhes permite comunicar-se rapidamente com outras
tribos, registrar a ação dos emissários nas instituições de
poder (como forma de prestar conta à tribo posteriormente) e
angariar a adesão ou a solidariedade de instituições
protecionistas ou ecológicas internacionais.Os
indígenas deixam de aparecer como objetos passivos, para garantir a
preservação não mais da pureza
étnica ou cultural, mas de sua autonomia política e de sua opção
por um modelo de vida diferenciado, sem apelar para a estereotipação,
mas identificando-se como índios perante os brancos, como povos
diferenciados por tradições próprias, e sendo sujeitos de
registros - antes o que era realizado pelo olhar do outro, agora se
torna elemento para a visualização de si mesmo (Arlindo Machado).
Diante
de tudo isso, penso que talvez, o temor não fosse pela máquina
roubar suas almas, mas sim de não poderem escolher quais partes de
suas almas gostariam que fossem resguardadas.
i
A citação foi lida e retirada do livro Fotografia e Antropologia –
olhares fora-dentro de Rosane de Andrade.
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PRODUÇÃO
DE VÍDEOS DIDÁTICOS PARA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
DIFERENCIADA
E BILINGUE
Naine Terena de Jesus
Introdução:
Ao
examinar documentos recolhidos em pesquisas e observações anotadas
no diário de campo, extraímos algumas informações que
consideramos pertinentes para trabalhar neste texto, que está
relacionado ao processo de construção de materiais didáticos para
a Escola Indígena Lutuma Dias.
Porém
antes de adentrar ao tema iremos situar o leitor rapidamente a este
contexto escolar. Nossa pesquisa se desenvolve na escola Indígena
Lutuma Dias, da aldeia indígena Limão Verde, onde reside o povo
‘Xané’ (denominada Terena pelos não indígenas). A aldeia está
localizada no município de Aquidauana, estado de Mato Grosso do sul.
A escola contou (em 2010) com cerca de 10 professores indígenas
(Terena) que lecionaram para o ensino infantil e fundamental, além
da Diretora e do Coordenador (que também são indígenas). Com um
núcleo de professores falantes e não falantes do idioma Terena,
algumas séries contam com um ou dois profissionais. Para as turmas
cujo professor não é ativamente falante do idioma, um outro
professor se encarrega do trabalho de ensino da língua Terena. A
escola conta ainda, com uma professora de Arte e Cultura Terena. Com
relação a aldeia Limão Verde, ela existe desde a Guerra do
Paraguai e atualmente grande parte de seus moradores utilizam o
português como primeira língua. Os Terena pertencem ao tronco
lingüístico Aruak, originário do Chaco. Participaram ativamente da
Guerra do Paraguai e após o episódio histórico, houve a crescente
invasão de suas terras por colonos brasileiros, o que obrigou a
busca por trabalhos nas fazendas para o suprimento das necessidades
básicas, já que não era possível a pesca, a caça e nem a
produção de uma agricultura suficiente para a manutenção das
famílias na região. Atualmente essa comunidade Terena está
dividida em ‘núcleos’, sendo Limão Verde propriamente dito,
Cruzeiro e Buriti. No seu contexto geral os Terena da aldeia obtém
sustento familiar através do trabalho dos homens nas lavouras, na
venda dos produtos advindos da agricultura realizada dentro da aldeia
pelas mulheres, aposentadorias, criação de gado em pequena
quantidade e de variados trabalhos realizados fora da comunidade.
O
plantio é realizado comumente pelos homens, e a comercialização pelas
mulheres, que preparam os produtos para serem vendidos no dia
posterior. Como atividades da cultura Terena, crianças, jovens e
adultos dança o Kohixoti Kipaé (dança da ema, que a princípio
seria uma dança masculina) e o Putu-putu (jogando a bunda) conhecida
também como Siputrena , esta executada especificamente pelas
mulheres. A aldeia possui casas de alvenaria, muitas delas cedidas
por Programas de Governo. Mesmo com essas residências, a maioria das
famílias mantém ‘cozinhas’, construídas de adobe e palha de
bacuri. Em seu interior geralmente encontra-se um fogão a lenha e os
instrumentos utilizados no dia a dia como panelas e ferramentas. O
acesso aos meios de comunicação também é em grande escala, pois
poucas localidades da aldeia ainda não contam com energia elétrica.
A aldeia conta com uma rádio comunitária (coordenada por uma igreja
evangélica) e a partir de 2010 algumas poucas famílias e a escola,
tem acesso a internet via rádio. Porém a comunicação via
telefonia ainda é precária devido ao problema de sinal na região.
No aspecto lingüístico a comunidade conta com um grande número de
não falantes, em especial crianças e jovens, o que é grande
preocupação dos professores e lideranças.
Objetivo
Este Projeto de pesquisa compõe o Projeto Momentos e Lugares da Educação Indígena, integrante do Observatório da Educação indígena – MEC/CAPES e tem o objetivo de junto a um grupo de professores Terena na aldeia indígena Limão Verde - MS, realizar um amplo debate e estruturar temáticas pertinentes à educação diferenciada para a produção de materiais didáticos para uso da comunidade Limão Verde na Instituição escolar.
Este Projeto de pesquisa compõe o Projeto Momentos e Lugares da Educação Indígena, integrante do Observatório da Educação indígena – MEC/CAPES e tem o objetivo de junto a um grupo de professores Terena na aldeia indígena Limão Verde - MS, realizar um amplo debate e estruturar temáticas pertinentes à educação diferenciada para a produção de materiais didáticos para uso da comunidade Limão Verde na Instituição escolar.
Referencial
teórico
Como
referencial teórico, a pesquisa partiu de estudos realizados nos
campos da educação escolar indígena, comunicação e educação.
Para se compreender o processo da educação Escolar Indígena
tomamos como fonte Araci Lopes, que cita as reivindicações da
educação indígena, como evidentes a partir da década de 70, sendo
então oficializada através de textos inseridos na Constituição
Federal, na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação e em
documentos, portarias, regulamentações que expressam as políticas
públicas implementadas nesse campo, como as Diretrizes para a
Política Nacinal de Educação Indigena (Ministério da Educação e
do Desporto, 1993)
Para
se compreender o processo de construção da educação escolar
indígena, buscamos leituras de alguns autores como Adriana Costa
que dialogam sobre a necessidade de criação de um currículo
específico, que não pode se limitar a uma adaptação dos
currículos oficiais: deve existir a interação entre os grupos no
processo educativo, que deverá levar em conta como e onde esse
processo tem ocorrido, o que significa reformular conteúdos e
métodos de trabalho pedagógico e o acompanhamento das práticas
escolares.
Outra
fonte pesquisada foi a LDBEN,
que nos situou a respeito da constituição da educação escolar
indígena, principalmente no que diz respeito aos currículos do
ensino fundamental e médio, que devem ter uma base nacional comum, a
ser complementada por uma parte diversificada que atenda às
características locais e regionais da sociedade, da cultura, da
economia e da clientela. No que se refere às comunidades indígenas,
está assegurada a utilização de suas línguas maternas, e
conseqüentemente, o desenvolvimento de currículos e programas
específicos.
A
leitura de Canclini, nos remete ao processo de hibridação, que
interessa tanto aos setores hegemônicos como aos populares que
querem apropriar-se dos benefícios da modernidade. Para Canclini,
os movimentos indígenas reinserem suas demandas e aprendem a
comunicá-las por rádio, televisão e internet. Para se pensar no
processo de comunicação e educação, Francisco Martínez Sánchez
nos conduz a uma reflexão sobre a necessidade de sua utilização em
sala de aula. Sánchez leva o professor a questionar sobre sua
realidade educativa, descobrindo quais são suas necessidades reais
em relação a esse meio e que o professor deve realizar adaptações
que considere oportunas a fim de ajustá-las aos seus planos reais.
Sacristán e Pérez (1980) verificam como funções do meio de
comunicação na educação: recurso para aprimorar e manter a
motivação do aprendizado; uma função informativa de conteúdos e
guias metodológicos do processo de aprendizagem. Ismar Soares e
outros autores que trabalham a temática educomunicação, nos
serviram como exemplo de experiência prática no sistema escolar.
Para Soares, que através do Grupo de estudo da USP vem acompanhando
o desenvolvimento da educomunicação no país, essa prática tem o
objetivo
de planejar, criar e desenvolver os ecossistemas educativos, através
de processos de comunicação e pelo uso das tecnologias da
informação. Sob esta ótica, as anotações a respeito das
sugestões dos profissionais indígenas levariam a produção,
manipulação e apropriação de tais tecnologias em prol da cultura
Terena, possibilitando ainda o uso crítico desses meios, já que as
crianças principalmente estão em contato direto com os programas
televisivos. Ainda utilizando as definições de Soares, poderíamos
dizer que muito além de ser um suporte para as aulas, o processo
educação-comunicação possibilitaria o acesso democrático à
produção e difusão da informação, a melhoraria no processo
ensino-aprendizado através do uso criativo dos meios de comunicação
e principalmente, a apreensão de características da fala e da
cultura que não são ‘detectáveis’ através do texto escrito.
Metodologia:
Nossa
pesquisa baseia-se na leitura de bibliografias, documentos referentes
a educação escolar indígena, na coleta, observação
e leitura das fontes relacionadas ao sistema educacional da Escola
indígena Lutuma Dias. Diante dessas fontes estruturamos um grupo de
trabalho com professores e membros da comunidade (voluntários) que
tem interesse em debater a situação da educação escolar e da
manutenção cultural da comunidade. A partir do estabelecimento do
grupo, constituiu-se então duas etapas de trabalho: a primeira que
agrupa professores interessados em temas em comum, temas importantes
para a comunidade e que porventura não estejam em nenhum dos
materiais oferecidos até o momento para a educação escolar Terena.
Esses grupos realizariam então a pesquisa in loco, fomentando um
debate sobre questões relevantes para a comunidade Terena; a segunda
etapa, consiste na transformação desses temas em materiais
didáticos que serão utilizados em sala de aula. Neste texto iremos
apresentar o percurso percorrido nesta primeira etapa, que
caracterizou a
Desenvolvimento
O
trabalho com a comunidade escolar Lutuma Dias teve início através
da compreensão dos motivos pelos quais a Comunidade escolar
apresentava a necessidade de inserir mecanismos tecnológicos para o
ensino escolar. Um dos primeiros contatos com essa necessidade
ocorreu quando tivemos acesso ao Planejamento Político Pedagógico
(P3) elaborado no ano de 2000 e que ainda é utilizado pela unidade
escolar. Ao observar que o documento apontava para a instituição de
um modelo diferenciado e baseado também na utilização de alguns
meios de comunicação como jornais internos, TV e DVD, iniciamos o
processo de diálogo com os professores para compreender qual a o
benefício desses elementos na educação indígena. De uma forma
geral os professoras sentem a necessidade de uma metodologia que
estimule os alunos no aprendizado da língua e também da arte e
cultura Terena. Observamos ainda, que existe uma grande valorização
nos livros didáticos e principalmente na alfabetização e na
leitura, como apresentam as respostas coletadas através do
questionário. O Questionário conta com 16 itens que foram
respondidos pelos professores que atuaram no ano de 2010 na escola
Lutuma Dias. Na questão número 10, perguntamos como a escola e o
professor trabalha a cultura Terena com os alunos.
1.”Com
muita dificuldade, pois não temos materiais didáticos específicos,
existem poucos”.
- “Eu particularmente com pesquisa de campo, relatório, memórias e redação”.
- “Valorizando a nossa identidade e a nossa cultura é o nosso principal objetivo!.
- “Procurando interagir de modo que também não saia do mundo globalizado.
- “Utilizando didática indígena e não indígena”.
Na
Pergunta de número 14 questionamos se os professores acreditavam que
a TV e o DVD poderiam ajudar na escola e por quê. De uma forma
geral, as respostas apontaram como positiva a inserção desses
equipamentos em sala de aula, dando enfase a diferentes fatores:
1.
”Sim,
para que possamos utilizar outros meios de ensinar, através do
filme, serve também para complemenar o ensino (sic)”.
2.
“Sim, para ver melhor e ajudar os alunos de perto como era
antigamente e os dias atuais”.
3.
“Por que através destes podemos mostrar a situação real das
questões em estudo”.
5.
“Sim. Principalmente por que a questão tecnologica, o novo atrai a
atençao do aluno”.
Já
com essas considerações, a primeira experiência realizou-se em
julho de 2010, onde a professora Tatiana Dias, produziu o livro
“Koheveti Karapa” fazendo a ilustração e o texto no idioma
Terena. Esse material foi transportado para o vídeo, sendo editado
no movie maker. Posterior a isso, o grupo de professores pode
observar o resultado da experiência, expor sua opinião a respeito
da produção e então determinar os temas trabalhados e quais
pertenceriam a um material escrito e quais seriam parte de um
material gravado em vídeo.
São
eles:
- Artes: Comida típica Terena – produzido em audiovisual
- História: Histórias contadas por anciãos – produzido em audiosivual
- Pajelança – a critério do Xamã convidado
- Ciências: Remédios caseiros – material escrito
- Educação Física: Brincadeiras e jogos Terena – escrito
- Geografia: Preservação do Córrego João Dias – Escrito
Findo
esta primeira etapa, a pesquisa e produção prossegue dentro da
aldeia, onde deverá ser realizado ainda uma oficina de vídeo e a
coleta de imagens. A perspectiva é que o material seja finalizado
ainda em 2011.
Conclusões
Pensando
neste processo de reprodução e repasse da cultura, a escola Lutuma
Dias e também a escola Pascoal Dias (esta atende estudantes do
ensino médio) vem se consolidando como um espaço novo e fundamental
na estrutura social da comunidade, pois desempenha o papel de
repassar informações sobre a cultura Terena, de situar os alunos a
respeito da vivência fora da aldeia, das disciplinas fundamentais e
do entendimento do mundo contemporâneo. A inserção de materiais
didáticos em audiovisual, seria uma alternativa de utilizar esse
elemento para mostrar os modos de fazer, as formas de se construir e
também de manter a memória dos idosos sobre os fatos que povoam o
universo Terena. Daí o relato dos professores a respeito da
importância da escola
dentro da comunidade indígena, e que esta escola não seja apenas
adaptada, mas diferenciada, a partir do que a própria comunidade
conceba como instrumentos para a manutenção dessa diferenciação.
Com
relação a inserção